A BREGUICE NOSSA DE CADA DIA

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A GAZETA
19 de maio 2014


 A vida não é só feita de raridades e especiarias.  Isso equivale a aceitar que ninguém é cem por cento original.  Pois, em cada um de nós, persiste um lado meio contaminado pelas assim chamadas atitudes comuns.  Ou seja, em parte, todos nós, os ditos humanos, somos criaturas feitas de coisas banais, como cortininhas de renda nas janelas da copa ou anões de cerâmica no portão do jardim.
Digo em parte,  porque se alguém se deixa tomar totalmente pelo convencionalismo, aí já é um outro assunto.
Alguém que vive intensamente imerso na totalidade das ideias convencionais talvez seja a melhor encarnação daquilo que Nabokov  (sim, sempre ele!) nomeou por “vulgaridade”.  Para esse escritor russo genial,  arrotar em público pode ser grosseiro, mas ajuntar ao arroto um “desculpe”, é pior que grosseiro: é ser vulgar. Então podemos entender que, para ele , as pessoas vulgares só desejam fazer o que todos fazem, admirar  ou detestar o que uma multidão admira ou detesta, pertencer a um grupelho, uma organização, um esquema no qual estejam imersos até o pescoço.
É uma gente que prima por uma  polidez pedante, uma falsa condescendência,  uma benevolência estupidificada e uma sensatez  social irritante.  Gente que cultiva um profundo amor aos bens materiais, ao que está na moda e às novidades. E que gosta de parecer snob ou chique , quando, em suma, está apenas hipnotizada por aquilo que pensa ser prova de fineza de hábitos ou nobreza de sentimentos. Que atire a primeira pedra quem nunca conheceu alguém assim. 
Mas, afora esses seres que atingem os cumes mais perfeitos das ideias pré-estabelecidas e das frases  pré-concebidas, estamos todos na nau dos insensatos, que, vez ou outra,  acaba arribando às margens sedosas e escorregadias da banalidade.
Ninguém escapa ao surtos ocasionais das breguices. Já escutei muita bobagem e muita conversa tola saindo da boca de poetas reconhecidos e de escritores eruditos. Principalmente quando se juntam em torno de um café com pão na chapa, em uma padaria, ou em volta de umas cervejas com direito a torresminho, em um bar. E isso ocorre em todas as cidades do mundo. Ou pelo menos, naquelas cidades em que estive, por conta deste bendito ofício de escrever, que adoro e escolhi.
No reino das palavras, há aquelas que nos traem. E, muitas vezes, desmascaram nosso desejo de sermos “únicos”, “diferentes”, “sofisticados . Muitas delas contrariam a vontade de sermos “vacas sagradas    , para usar os termos do mano Caetano ( da Maria Bethânia e de todos).
É a pura verdade. Qualquer que seja nossa profissão ou condição cultural e individual, no nosso dia-a-dia, usamos palavras que são menos palavras aceitas como elementos de uma conversação e são mais constituintes de fórmulas corriqueiras. Desse modo,  se tornam mensageiras de trocas simbólicas ou agentes de pequenas banalidades a serviço de links sociais: “que calor!”, “boa tarde!”, “até breve!”  e outras exclamações inocentes.
Mas  essas,  justamente, é que podem se tornar um perigo. Imagine encontrar o vizinho, dizer: “como vai?”, e o sujeito, de imediato, desfiar um boletim de saúde completo, com direito ao reumatismo nos joelhos, às cólicas hepáticas, ao refluxo do estômago ou aos demais achaques que o vêm  acometendo. Quando  tudo que você esperava ouvir era um protocolar: “vou bem”, para ambos seguirem seu caminho por dentro de um belo dia de outono, adiante.
Para essa chatice,  não tem solução. A não ser você escafeder-se, tomar outro elevador, esgueirar-se pela porta lateral do prédio,  evitar o vizinho. 


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Um comentário:

  1. Olá Berenice, ótima crônica. Realmente, não há como evitar, todos somos bregas em maior ou menor grau. Contudo, algumas pessoas extrapolam, não conheço apenas uma, mas várias assim. Bjos.

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