CONQUISTA DO FILÓSOFO

O melancólico instante persiste,
E o oráculo depois da porta,
Sempre a torre, o barco, o trem distante.
Num lugar ao Sul matam um Duque,
Uma guerra se ganha. Aqui é muito tarde.

O melancólico instante persiste.
Aqui, uma tarde de outono sem chuva,
Num balaio, apenas duas alcachofras;
Sempre a torre, o barco, o trem distante.
Volta a doer a infância nesta cena?
Por que nesse relógio são 1 e 28?

O melancólico instante persiste.
Reino de mor: sua luz verde-amarela
Cai sobre a angústia do destino;
Sempre a torre, o bote, o trem distante.
Quer nossa visão que retenhamos
O peso intolerável destas coisas.

O melancólico instante persiste,
Sempre a torre, o bote, o trem distante.


PRESERVAR INTACTAS AS COISAS

Num campo
sou ausência
de campo.
Sempre
é assim.
Onde quer que esteja
sou o que falta.

Ao caminhar
separo o ar
e o ar
preenche sempre
os vazios
onde meu corpo esteve.

Todos temos razões
para nos mover.
Eu me movo
para preservar intactas as coisas.


MEU FILHO

À maneira de Carlos Drummond de Andrade

Meu filho,
meu único filho,
o que nunca tive,
seria hoje um homem.

Move-se
no vento,
sem nome nem carne.
Às vezes

vem
e apoia a cabeça,
mais leve que o ar,
em meu ombro

e lhe pergunto:
Filho
onde estás?
onde te escondes?

E me responde
com alento frio,
nunca ouviste
quando te chamei

e chamei
e continuei chamando-te
de um lugar
mais além
muito além do amor,
onde tudo
onde nada

quer nascer.

* Traduções de Pedro Fernandes de O. Neto 



CANÇÃO PARA GUITARRA

Eu
Estou nas palavras
Tão morbidamente
Mudo:
Minhas sentenças são
Máscaras.
E –
Falo
A vós todos –
– Falo
Fábulas –,
– Porque –
Assim me foi designado,
A razão –
Não a entendo –
– Porque –
Há tempos tudo se foi no escuro,
Porque – tudo é igual:
Quer eu
Saiba ou não saiba.
Porque só há tédio em toda parte,
Porque a fábula é de esmeralda,
Onde –
Tudo é outro.
Porque há esta avidez dos borrifos
Do prazer;
Porque a difícil
Existência
Para todos
– Tem um só desenlace.
Porque –
– Em suma –,
– Para que
Este inferno?
Porque –
– Para todos
Há um só fim.
E me rompe este riso
Do
Destino
De todos –
– E –
– De
Mim.

(1922)


BURLA

No
Vale
Uma vez
Em sonho

Ante
Vós
Eu, –

Velho
Tolo –,

A
Tocar
Mandolina.

Vós
Ouvíeis
Atento.

E –
– O Antigo Zodíaco.
Um dia
Surraram-me
E
Me
Expulsaram
Do
Circo

Em
Farrapos
E
Em
Sangue,
A clamar –
– Por Deus!
– Deus!
– Deus!

E
Pelo –
– Amor universal.

Vós
Por acaso
Encontrastes
O palhaço
Cantante.

Parastes
Para escutar
O canto.

Vós –
Observastes

O barrete
De bufão.

Vós –
Dissestes
Convicto:
– “Este
É o caminho
Da iniciação...”

Vós –
Em sonho
Mirastes

O –
– Zodíaco.
(1915) 

* Tradução de Augusto de Campos


A PALAVRA

Na febre de som
Do sopro
A trave é flama-fala.

Lá fugindo da laringe,
A terra exala.

Expiram
As almas
Das palavras não-compostas.

Deposita-se a crosta
Dos mundos que nos portam.

Sobre o mundo formado
Paira a profundidade
Das palavras proferíveis.

Profundamente ora
A palavra das palavras, Sarça viva.

E do futuro
Paraíso
Alça-se a serra adunca
Por onde em chamas, consumido,
Não passarei: nunca.

(1917) 

* Tradução de Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman



O que dizer de uma senhora como você? Ontem tivemos o enorme prazer em estar ao seu lado e poder ouvir um pouco da sua história que nos emocionou tanto... Seus contos.. Suas histórias... Suas palavras e principalmente o seu olhar que foi o que me cativou, nos fizeram entender a importância da escrita em nossas vidas... Não a conhecia, mas a partir do momento que nossa professora de português ( Giovana ) nos falou da senhora, com lagrimas de emoção nos olhos e o coração cheio de amor, observarmos o quão importante é o seu papel em nossa sociedade... Receber a senhora lá, foi algo que não consigo expressar em palavras.. Em poucas "horinhas" ( que pra mim parecia segundos rs) podemos entender a importância de escrever e de ter uma capixaba como uma das maiores escritoras do país... Ahhh dona Bernadette, hoje pude ver o quão amo escrever através do que a senhora compartilhou conosco... Eu como ouvinte, senti emoção de sim me arrancar lagrimas com suas histórias... E claro que o "arrepio na espinha" que a senhora mesma disse, não podia faltar... Quando nossa querida professora falava sobra a senhora não podia imaginar o quão a senhora era importante pro nosso estado, e como era simpática, um amor de pessoa.. Que esteve totalmente disposta a nos ajudar e dizer pra nós suas experiências... Obgd por ter ido nos visitar, sua presença foi incrivelmente especial e única em nossa escola.. Seus conhecimentos, experiências e palavras eu levarei pro resto da mimha vida! Ontem foi um dia incrível e totalmente proveitoso... Estar ao seu lado ontem nos mostrou o quanto é importante valorizamos o nosso estado.. O que levo pra minha vida depois dessa manhã, é que por mais que o tempo passe o ato de escrever NUNCA sairá de moda rs... Escrever é a melhor coisa que existe... Obg. por ter estado conosco, e por ter compartilhado essas histórias que tanto nos emocionou e que mais pra frente terão papel fundamental em nossas vidas... Suas experiências serviram de histórias... E com toda certeza eu levarei isso pra sempre!! Essa experiência me fez enchegar o amor puro e sincero que uma pessoa tem pelo seu trabalho ( ou que um dia foi o seu trabalho ), no seu olhar pude ver amor e com certeza essa experiência não vai se apagar da minha memória! A senhora me cativou de uma tal forma que posso me lembra com facilidade todos os momentos de nossa palestra!! Uma escritora incrivelmente maravilhosa que merece nossos aplausos de pé!!! Com orgulho de ser capixaba e estando em nosso estado levando a literatura em nossas escolas!!! Uma magnífica escritora! Que tive o enorme prazer em conhecer e o orgulho de saber que nasceu em nosso estado.. Ahh dona Bernadette agradeço a senhora pela tempo cedido... E por ter compartilhado conosco suas historias encantadoras! A nossa escola teve o prazer enorme em ter a senhora conosco! E se algum dia nos encontrarmos por essa vida, que possamos compartilhar o que aconteceu depois desse incrível encontro! E aqui venho deixar o meu MUITO OBRIGADO em nome também da escola viva, por ter estado conosco! E por ser essa pessoa maravilhosa e que tem o dom incomparável e o talento de escrever contos, livros, crônicas e alguns poemas magníficos! Nós amamos a senhora! E eu simplesmente me apaixonei pela sua pessoa, e suas obras... Voltem sempre! E agradecemos por tua presença 😍🙏🏻 Você é INCRÍVEL!!!

Não te rendas, ainda estás a tempo 
De alcançar e começar de novo, 
Aceitar as tuas sombras, 
Enterrar os teus medos, 
Libertar o lastro, 
Retomar o voo.
Não te rendas que a vida é isso, 
Continuar a viagem 
Perseguir os teus sonhos, 
Destravar o tempo, 
Remover os escombros, 
e destapar o céu.
Não te rendas, por favor não cedas, 
Mesmo que o frio queime, 
Mesmo que o medo morda, 
Mesmo que o sol se esconda, 
E se cale o vento,
Ainda há fogo na tua alma 
Ainda há vida nos teus sonhos.
Porque a vida é tua e teu também o desejo 
Porque o quiseste e porque eu te quero 
Porque existe o vinho e o amor, é certo. 
Porque não há feridas que não cure o tempo.
Abrir as portas, 
Tirar os ferrolhos, 
Abandonar as muralhas que te protegeram, 
Viver a vida e aceitar o repto, 
Recuperar o riso, 
Ensaiar um canto, 
Baixar a guarda e estender as mãos 
Abrir as asas 
E tentar de novo, 
Celebrar a vida e retomar os céus.
Não te rendas, por favor não cedas, 
Mesmo que o frio queime, 
Mesmo que o medo morda, 
Mesmo que o sol se ponha e se cale o vento, 
Ainda há fogo na tua alma, 
Ainda há vida nos teus sonhos 
Porque cada dia é um começo novo, 
Porque esta é a hora e o melhor momento. 
Porque não estás só, porque eu te amo.
* Tradução da Inês Pedrosa.
Informativo Itaú Cultural. 27/4/2017

imagem: André Seiti

Ocupação Conceição Evaristo

A 34ª edição do programa Ocupação homenageia uma das vozes mais relevantes e necessárias da literatura brasileira contemporânea: a escritora mineira Conceição Evaristo. Na mostra, sua trajetória é revisitada por meio de cartas, fotos, objetos pessoais e manuscritos de contos e poemas.
Saiba mais

imagem: Dani Gurgel | Da Pa Virada
Programação de Música
A primeira quinzena do mês conta com dois shows: Ana Muller, que lança seu primeiro EP no dia 5, e Vanessa Moreno, que lança seu primeiro disco solo no dia 11.

imagem: IMATRA
Programação de Teatro
Duas peças integram a programação de teatro da primeira quinzena: Se Eu Fosse Iracema e O que Você Realmente Está Fazendo É Esperar o Acidente Acontecer.

imagem: Divulgação
Programação de Dança
Bate-papo com a bailarina Angel Vianna, registro do depoimento da artista Aracy Evans para a série documental Figuras da Dança e o espetáculo Amanhã É Outro Dia.
Diálogos Ausentes
A série realiza o segundo encontro de seu ciclo de debates voltados para o campo da literatura. Participam do encontro Mariana Matos, Oswaldo de Camargo, Janine Rodrigues Nascimento e Roniel Felipe.

imagem: André Seiti
Entrevista com Erica Mizutani, artista que coloriu a fachada do Itaú CulturalInscrições prorrogadas: Observatório Itaú Cultural de Pesquisa em Economia da Cultura 2017




O PESCADOR BÊBADO 

A chafurdar neste maldito antro
Eu lanço o anzol ao peixe que me atrai
(Em verdade, do arco de jeová não pendem
Potes de ouro a vergarem-lhe as pontas);
Sangrentas as bocas, só as irisadas trutas
Mordem-me a isca. E na bolsa de lona
Em torno, outras saltavam, até que a traça
Corroeu-lhe o tecido, desgastável.

Para saber o dia, um calendário;
Um lenço, para afastar os mosquitos;
Com a tempestade, sem estofo o catre
E eu com uma garrafa sob o braço;
A garrafa de uísque cheia de iscas;
E calças de pijama: serão termos
Próprios a avaliar do verme a líquida
Raiva no ventre a fervilhar da idade?

Pescar, outrora, era questão de sorte –
Ó vento! Sopra frio, sopra quente.
Os sóis deixa ficar ou pular fora:
A vida dançava a jiga no jorro –
Do cachalote, e fluente e obscena a pesca
Do pescador lavava a consciência.
Crianças! Baba a memória, enfurecida,
Sobre a glória dos charcos do passado.

Tépido agora o rio, vaza e empoça
Suas águas cruentas em enseadas;
Dentro de meu sapato, um grão de areia
Imita a lua anta a desfazer
O Homem, e até a criação; o pútrido
Remorso empestou já a sua fonte;
Assemos de baleia a raiva trilha.
E este da velhice o caldeirão.

Não há algum modo de lançar o arpão
Fora deste dinamitado córrego?
Do pescador os filhos, quando rasas
As águas somem, têm de esquadrinhar.
Com isca untada, apanharei o Cristo
E enquanto o Príncipe da Treva espreita
Meu sangue até o seu estígio termo...
Anda sobre a água o Homem-Pescador. 

* Tradução de Octavio Mora


A HORA DO GAMBÁ 


para Elizabeth Bishop

Lá em sua morada espartana
pelo inverno todo ainda mora a solitária senhora herdeira
da Ilha Nautilus:
suas ovelhas ainda pastam nas colinas acima do mar.
Seu filho é um bispo. Seu vigia,
eminente membro de nossa comunidade;
ela chegou à senilidade.

Ansiando por
um sossego sacerdotal
como do século da Rainha Vitória,
compra mil coisas,
máculas que guardam sua praia,
e deixa que se desfaçam

A estação está doente -
perdemos nosso milionário de verão,
aquele que parecia ter saído duma revista de modas.
Seu escaler foi leiloado a pescadores.
Um vasto vermelho vivo veste a Colina Azul.

Agora nosso efeminando
decorador limpa sua lojinha para o outono;
sua rede de pescar está cheia de enfeites, rolhas alaranjadas,
e amarelas como seus banquinhos e corujinhas;
bugigangas sem venda,
ele gostaria mesmo é de se casar.

Numa noite escura
meu Ford trepou até o topo da colina;
procurei carros de namorados. Luzes baixas,
estavam alinhados juntos uns dos outros, cascos contra cascos,
onde os gavetões do cemitério da cidade...
Minha mente está doente.

Um rádio de carro choraminga
"Amor, ó displicente amor..." Ouço
minha alma doente soluçar em cada gota de sangue,
como se minhas mãos estrangulassem
cada uma de suas gargantas...
sou o próprio inferno;
não há ninguém aqui -

somente gambás que procuram
o que devorar à luz do luar.
Caminham passo a passo até o Centro;
listras brancas, chamas vermelhas de olhos lunáticos
à sombra da torre estreita e espiralada branca de cal
da Igreja da Santíssima Trindade.

Fico de pé na sacada dos fundos
e respiro ar puro -
uma gambá com uma fieira de filhotes fareja restos de comida
numa lata de lixo. Mete sua cabeça de espátula num pote
de creme de leite, abaixa sua cauda de avestruz.,
e não se deixa assustar.

* Tradução de Ary Gonzalez Galvão


A FOZ DO HUDSON 

Um homem sozinho fica ali, como a espiar as aves,
e raspa a neve salpicada em preto e branco
de uma bobina grisalha
abandonada, de cabo elétrico Westingghouse.
Ele não pode descobrir a América cantando
as cadeias dos condenados trens de carga
vindos dos trinta Estados. Que sacolejam, rangem,
rejeitam restos atirados no desvio ali embaixo.
Seu equilíbrio a custo se mantém.
Os olhos pingam
e ele vai à deriva no gelo espedaçado
estalejando o Hudson abaixo até o mar,
como as brancas placas soltas de um jogo de armar.

O gelo desce pro mar, qual relógio, em tique-taque,
Um negro torra
sementes de trigo na fumaça de carvão
que escapa de uma barrica perfurada.
Ar químico
invade New Jersey,
e cheira a café.

Do outro lado do rio
as cumeeiras das fabricas dos subúrbios tostam
ao sol amarelo-súlfur
da paisagem imperdoável.

* Tradução de Aíla de Oliveira Gomes.


NOITE DO SUOR

Mesa de trabalho, desalinho, livros, o abajur de pé,
coisas comuns, meu equipamento parado, a velha vassoura,
mas vivo num quarto arrumado,
há dez noites tenho sentido cãibras
formigando todo o branco manchado de meu pijama...
Um sal adocicado me perfuma e minha cabeça está molhada,
todo o mundo flutua e me diz que tudo vai bem;
o calor de minha vida encharca-se do suor da noite ─
uma vida, uma obra! Mas a descida vertiginosa
e o egoísmo da existência nos secam completamente ─
dentro de mim há sempre a criança que morreu,
dentro de mim há sempre o seu desejo de morrer ─
um universo, um corpo... nesta urna
a noite animalesca sua toda a ferida da alma.
Atrás de mim! Você! Sinto outra vez a luz
iluminar minhas pálpebras de chumbo,
enquanto os cavalos de cabeça cinza relincham
à procura da fuligem da noite.
Encharcado chapinho-me nos salpicos do dia,
um monte de roupa molhada, amargurado, trêmulo,
vejo minha carne e lençóis banhados de luz,
meu filho se explodindo em dinamite,
minha mulher... sua leveza muda o mundo,
e rompe o filamento de teia preta que vem dos palpos da aranha,
enquanto seu coração palpita e se agita como se fosse o de uma lebre.
Pobre tartaruga, tartaruga, se não posso purificar
aqui a superfície destas águas conturbadas,
absolve-me, ajuda-me, fortificando-me,

enquanto você suporta nas costas a alternação e o peso morto do mundo.

* Tradução de Ary Gonzalez Galvão